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Emprego dos sonhos? O doce trabalho dos classificadores de chocolate

Profissionais ajudam a consolidar a indústria brasileira de produtos finos, que ainda é pequena, mas tem crescido no país

Por Marcos Fantin — Ihéus (BA)

12/08/2023 07h10


Em etapas, a degustação do chocolate feita pela analista sensorial Adriana Reis — Foto: Ana Lee
Em etapas, a degustação do chocolate feita pela analista sensorial Adriana Reis — Foto: Ana Lee

É em uma sala fechada, debaixo de uma luz vermelha bem forte, que se conhece a pureza do cacau. Nesse ambiente trabalham os classificadores, profissionais raros, que ajudam a consolidar a indústria de chocolates finos no Brasil.


Uma das salas em questão fica no Centro de Inovação do Cacau (CIC), em Ilhéus, no sul da Bahia. Nelas, os classificadores fazem a chamada análise sensorial do produto.

A luz vermelha da cabine mascara as tonalidades de cor do chocolate – cada amostra tem um tom próprio. As amêndoas brancas, por exemplo, ficam com uma cor caramelo quando fermentadas.

“Se eu faço um chocolate 70% de uma amêndoa branca e um com 70% de uma variedade normal, a cor final já interfere no meu julgamento”, diz Cristiano Villela, diretor científico do CIC.


A analista sensorial Adriana Reis é gerente de qualidade do CIC, função em que comanda uma equipe de oito classificadores.

“Nós trabalhamos para evitar todos os erros que o técnico possa ter na cabine”, explica. “A luz vermelha é a melhor opção para zerar o conflito de expectativa que você tem sobre o cacau ou chocolate”.


Cabine com luz vermelha feita para análise sensorial de cacau — Foto: Ana Lee
Cabine com luz vermelha feita para análise sensorial de cacau — Foto: Ana Lee

Depois de fechadas as portas da cabine, ligam-se os insufladores, que tiram todos os cheiros do ambiente, desde o do plástico das embalagens ao dos laboratórios ao lado. Assim, só se presta atenção na amostra de cacau.


A equipe de Adriana é treinada para fazer a prova de dez a 15 amostras por sessão. “Quanto mais amostras eu analisar, mais resíduos na boca eu vou ter, o que pode interferir na próxima prova”, afirma. A especialista ressalva que o mais importante não é a quantidade, e sim a técnica de limpeza da boca entre uma amostra e outra.


Existe uma metodologia: come-se um biscoito de água – um cracker sem sal – e bebe-se água morna. O profissional morde o biscoito apenas com os dentes da frente e o arrasta pela língua. Assim, ele evita que fiquem resíduos do alimento nos dentes molares. Por fim, o classificador bebe a água. Todo o processo dura pontualmente de cinco a sete minutos.


Na indústria, são três os tipos de amostras: o cacau em pó, obtido a partir do trituramento das amêndoas, ainda não torradas, o líquor, que é a massa de cacau após a torra, e o chocolate, que é o produto final. A análise é feita de acordo com a demanda de produtores ou empresas chocolateiras.


A análise do cacau pode ser feita em três estágios: em pó, líquor e chocolate — Foto: Imagens: Laysa Santos(CIC) / Arte: Globo Rural
A análise do cacau pode ser feita em três estágios: em pó, líquor e chocolate — Foto: Imagens: Laysa Santos(CIC) / Arte: Globo Rural

Adriana Reis afirma que a mais complexa é a do chocolate, porque ele tem açúcar, que muda a percepção. "Defeitos que passam na amêndoa podem ser corrigidos ou amplificados pela torra ou pelo açúcar", diz.

Para a especialista, um bom chocolate sempre conta uma história, e as três fases da ingestão (entrada, meio – o corpo do chocolate – e saída) acabam sendo “uma sinfonia”.

Segundo ela, é possível notar um chocolate que usa cacau de péssima qualidade. "A entrada é o açúcar, depois vêm as notas de chocolate e seus aromatizantes, e a saída é defeituosa, com ardência ou notas residuais de cinza, que são resultado de torras acentuadas em cacau ruim, feitas para mascarar os defeitos", relata.


Situação atual do cacau


Quando comparada às análises sensoriais de café e vinho, a do cacau ainda engatinha. O vinho tem o sommelier e o café conta com o q-grader e o barista, mas, no caso do cacau, ainda não existe escola para formar provadores. Hoje, as duas metodologias são fontes de inspiração para o mercado da fruta.

Desde 2018, o CIC tem participado de conferências internacionais que estabeleceram uma linguagem comum para a análise sensorial de cacau. Hoje, diversos parceiros globais - incluindo o Salão de Paris, o mais importante evento sobre chocolate e cacau do mundo - utilizam esses padrões de análise de qualidade.

A chamada “qualidade global” está sendo alinhada por 25 instituições internacionais, entre elas o CIC, que trabalham com análise sensorial. A metodologia consiste em pontuar de 0 a 10 todos os critérios de avaliação.


Segundo Adriana, o protocolo que está em avaliação seria oficializado em 2021, mas a pandemia interrompeu os trabalhos. Agora, o setor vive a expectativa da publicação.

A produção de cacau fino tem crescido no Brasil, mas ainda representa apenas uma pequena fatia do mercado. "Hoje, 90% da produção do cacau é commodity, e menos de 5% é de cacau fino especial", afirma Anna Paula Losi, presidente executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras De Cacau (AIPC).

O cacau “commodity” é o que dá condição para o produtor ter uma renda mais estável, porque ele sempre vai ter para quem vender, conta ela, enquanto o premium exige qualidades específicas para atingir esse status.


Tipos de análise


A análise pode ocorrer de várias maneiras. Na forma descritiva quantitativa, o especialista descreve e enumera as características de qualidade que identificou durante a prova. Essa é a forma que o CIC mais utiliza.

No teste de ordenação, o analista organiza as amostras da menos intensa para a mais. O teste "triangular" consiste em avaliar a capacidade de discernimento do painelista, que, a partir de três amostras, identifica e reconhece a que for diferente.

Também existe o teste de aceitação. Os julgadores recebem amostras de chocolate, que elaboram um ranking por escala de preferência. A lista vai de “não compraria de jeito nenhum” para “compraria com toda certeza”.

Outro método é a análise consensual. Nele, o grupo senta-se em volta de uma mesa redonda, avalia a amostra, discute e chega a um consenso sobre o perfil sensorial dela.


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